A viagem de Zeca





PAIEEÊ!
Tá chegando? Vai demorar muito?
Calor insuportável lá fora, algumas milhas ainda pela frente e aquela voz insistente não se cala em perguntar.
-Vai demorar muito?
-Eu quero fazer xixi!
Será que você nunca presenciou uma cena dessas?
O pai pára o carro, Bentinho desce todo atrapalhado segurando o bingolinho...
-Ai eu estou apertado.
É bem provável que nessas horas a mãe faça casinha para o filhinho fazer xixi.
A mãe aquela mulher que desce do carro com a cara torta. Você não sabe se a cara dela é torta porque ela estava com uma máscara protetora para o sol, se ela é torta porque a plástica não deu certo (e um olho ficou maior que o outro) ou se ela é torta assim mesmo.
Enquanto o filho se alivia, o pai aproveita para dar uma olhada no carburador, abre checa a válvula, dá uma olhada no pneu. Chuta o pneu, porque todo homem gosta de chutar tudo o que vê pela frente.
Os três voltam para o carro, seguem mais alguns quilômetros. Param no primeiro posto de gasolina, mais umas cinco garrafinhas de água para hidratar. É a vez das irmãs de Bentinho se acabarem em tapas e puxões de cabelos.
-Aiii, paiiii Josephine está me mordendo, ela não quer me dar a bolacha de morango!
O pai todo atrapalhado se volta para as meninas, procurando onde teria colocado a carteira. Esquece de chamar a atenção e diz:
-Eu tenho certeza que tinha vinte reais aqui.
Entra no carro e segue mais uns quilômetros, olha para o lado e vê aquela mulher se empastando de tanto protetor solar, quase um fantasma.
Ela se volta para ele, passa a mão pela cabeceira de sua poltrona pronta para beijá-lo. O pai já cansado se esquiva daquela mulher lavada de creme. E tudo o que ele deseja é chegar logo.
De repente surge o silêncio, é tudo para aquele pai, ele nem acredita que agora falta meia hora para chegar. Aquela voz baixinha e insistente volta a perguntar:
-Pai, vai demorar muito?
-Eu to com fome!
Bentinho tem só cinco anos ele não tem a mínima noção de tempo. Não adiantaria nem o pai e nem a mãe responderem o que é meia hora.
Mas tudo o que Zeca responde:  
-Tenha paciência meu filho já está chegando.
 -Já esta chegando.
Olhando pelo retrovisor pode ver a carinha de satisfação de Bentinho, e as meninas quietas no banco de trás.
Uma placa lá frente indica para virar a direita. É o sinal de que está chegando. Algumas ruas para virar,  e já se pode sentir o ar puro vindo do ar e o salgado do mar.
Não é cinco estrelas, mas é um hotel de muito bom gosto. Ótimo para se instalar por uma semana. Tudo o que Zeca quer é tomar um banho. E gostaria que sua mulher pelo menos pudesse fritar um bife, mas como, se em sua própria casa ela nem sabe onde fica a cozinha.
Eu poderia te descrever o pensamento de Zeca, o pai de família. Ele é um grande amigo meu.
“Se eu estivesse sozinho não querendo gastar e de tanto cansaço não quisesse sair, a essas horas eu estava aqui fritando meu bife para o jantar”. Muitas pessoas fazem apenas um lanche no jantar, mas não consigo dormir sem detonar um pratão de arroz, bife e feijão que seja.
Que saudades da casa de mamãe!”
Mas ele sabia que aquilo não iria acontecer. A família toda estava a esperar na sala, e já sabiam onde queriam ir.
Passaram em restaurante para comer alguns frutos do mar e tomaram sorvete. O pensamento de Zeca estava longe quando sua mulher a Martinha cutucou seu braço perguntando se ele queria levar para casa.
-Levar para casa o que? Respondeu Zé.
-A garota que passou. Eu vi você olhar para ela.
Mas, Zeca nem tinha prestado a atenção no que estava se passando. E Martinha nem sonha que ele tem uma amante. E que as duas até já se viram.  Ah se ela soubesse...
Os dias foram passando. Cada dia uma situação nova.
Corre, joga bola, leva as crianças para passear. Se a filha mais velha a Josephine, ouvir dizer que ela é criança, ah, então o mundo desaba. Adolescentes, ou melhor, pré adolescentes não fáceis de entender. Zeca por um momento conseguiu ficar só. Resolveu entrar em uma lan house, foi aí que algum tempo após ligar seu computador e ver seus e-mails, Shirley Lee a amante de Zeca começou a escrever algumas coisas para ele. Ele respondeu algumas coisas a ela, mas ainda assim parecia distante. Falaram-se muito pouco e disse a ela que precisava muito conversar. Despediu- se rápido dela e voltou para o hotel. Talvez não fosse muito agradável para ele ver Martinha vestida com roupas íntimas. Na verdade ela já era um pouco velha e sua aparência era meio acabada, por mais que ela tentasse se cuidar era nítido que ela se vestia muito mal, e que não era muito vaidosa. Mas eram anos vivendo juntos, talvez ele já estivesse acostumado com ela. Há quem diga que ela tem uma carteira muito bonita. Aí dá para entender.
Porque eu sei Zeca é um cara que gosta de coisas boas, tem bom gosto, poderia ter as melhores mulheres, ele é um cara descolado. Eu sei, ele é um grande amigo meu.
O lugar que escolheram para passar uns dias era muito bonito. Dava para fazer várias atividades. O mergulho era o ideal. E viajar nessa época antes do natal é bom porque final de ano, em alta temporada é tudo lotado de gringos e turistas.
Mas optaram por dar uma volta de barco, nas ilhas da região. Falaram com um senhor que cheirava a cebola. Combinaram o preço. Eram vinte reis por cabeça. Zeca pôs a mão na carteira lembrou-se dos vintes reais que não sabia onde tinha colocado.
Essa  família é  um misto de Simpsons com família buscapé. Dava até para imaginar, era como se eu estivesse vendo a cena.
Zeca voltou ao hotel buscar as crianças e primeira dama. É a primeira dama porque Shirley Lee jamais poderia estar ali.
Aquela galera pegou algumas garrafinhas de água, os óculos, os chapéus, cangas, biscoitos e partiram mar adentro. Shirley Lee adoraria estar ali com o vento batendo no rosto.
Andaram de barco por um tempão que parecia não acabar nunca. Avistaram a ilha no horizonte. Era uma ilha pequenina.
O condutor falou que poderia deixá-los naquela ilha, que era normal os barcos deixarem os turistas lá. E que poderia marcar uma hora para buscá-los. Mas ninguém aguentaria.
Nem Sabrina, nem Josephine, nem Bentinho.
Muito menos Martinha que tudo reclamava.
Chegou a hora de voltar para o hotel. Bentinho atropela as pessoas que estão na frente dele, as meninas exaustas quase nem falam, Martinha e Zeca se desentendem mais uma vez. O motivo rendeu a ele três tapas nas costas, era um biquíni amarelinho, tão pequenininho que não cabia na palma da mão. Talvez até Shirley Lee aproveitaria e daria mais uns três tapas.
Passaram mais uns dias, e a volta para casa causava mais stress ainda. Até juntar todas as coisas, parece que nas voltas das viagens a bagagem sempre fica mais pesada.
Parece não, ela fica mais pesada. Principalmente quando se volta da praia. Some os quilos a mais da areia, da roupa molhada, das bugigangas compradas durantes a viagem, as outras porcarias que se carrega dentro do carro. Ninguém merece mesmo!
E assim se resume a tal viagem, junta as roupas, guarda as compras, dobra as cadeiras leva para o carro. Pega o lixo, joga fora, acerta a conta paga a conta. Abre o carro ajeita as crianças, pega a bola , a bóia e “baranga”. E segue em frente.  Deve ter sido divertido. De qualquer maneira dá para extrair alguma coisa boa.
Milhas e milhas pela frente e um por do sol bem diferente do que o da Shirley teve.
Passam pelo posto, de gasolina e abastecem o tanque, calibram o pneu.
Então, Zeca encontra embaixo banco do carro sua nota vinte reais. O que estaria ela fazendo junto com uma casca de banana. Mas enfim, ele já encontrou várias coisas embaixo daquele banco. Anoitece, passam as montanhas, os carros pela janela, a serra vai surgindo pelo caminho. Cheiro de mato e as perguntas de Bentinho.
- Ta chegando pai?
- Vai demorar muito?
-Não meu filho, dorme, por favor!


Por    Cheilla Oliveira

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